Seminário da Dívida Pública realizado em São Paulo reúne mais de 400 pessoas

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Postado Originalmente em: http://www.sintrajud.org.br/

 

 

O governo federal destina mais 47% do orçamento da união deste ano para pagamento dos serviços de dívida – juros e amortizações

 

Edna Pinson

Cerca de 400 pessoas assistiram ao Seminário Nacional A Corrupção e o Sistema da Dívida, realizado nos dias 30 e 31 de outubro em São Paulo. Pessoas de vários estados do Brasil acompanharam os debates de especialistas nas suas áreas de atuação, todas de alguma forma envolvidas ou atingidas pela dívida.

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A dívida pública – interna e externa – já é de mais de R$ 5 trilhões e, ao contrário do propagado pelo governo, não foi paga, apenas mudou das mãos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o mercado financeiro nacional e internacional.

De acordo com os palestrantes, ela ainda é uma faca no pescoço dos governos federal, estaduais e municipais. O governo federal prevê a destinação cerca de  47% do orçamento da união deste ano para pagamento dos serviços de dívida – juros e amortizações. Um recurso de cerca de R$ 1,35 trilhão ao mercado financeiro interno e externo. Esse valor equivale a um aumento de 35% em relação ao que foi pago no ano passado, quando o destinado para a saúde foi de 3,98%, a educação 3,73% e aos estados e municípios 9,19%.

É a isso que se refere a coordenadora da Auditoria Cidadã da Divida, Maria Lucia Fatorelli, ao falar que pagar a dívida como está, sem uma auditoria que mostre quanto e para quem o Brasil deve, de fato, só faz aumentar a dívida social do Brasil, na medida em que deixa para segundo, terceiro ou quarto planos a educação, saúde e qualidade de vida do povo brasileiro.

Maria Lúcia é enfática ao afirmar que o Brasil não é um país pobre. “Somos a 9ª maior economia mundial. Temos a maior reserva de nióbio (metal raro no mundo e abundante no Brasil, considerado fundamental para a indústria de alta tecnologia e cuja demanda tem aumentado nos últimos anos), temos a terceira maior reserva de petróleo do mundo, a maior reserva de água potável, temos a maior área agriculturável”, elenca.

Mas, segundo ela, para justificar o ajuste fiscal do governo de Dilma Roussef (PT), que tem como proposta principal fazer o superávit primário (poupança para pagar os serviços da dívida), o cenário colocado para a sociedade é de escassez, crise e recessão.

Para exemplificar, ela cita os principais assuntos da mídia: desindustrialização, queda na atividade econômica, desemprego, perdas salariais, privatizações, encolhimento do PIB, crise social e crise política. Ao mesmo tempo há notícias sobre avanço do capital financeiro, elevação das taxas de juros, elevação do lucro dos bancos. “Como, então, falta dinheiro no país?”, questiona. “Se tem dívida, então houve entrega de dinheiro. Não podemos mais aceitar esse paradoxo, de sermos uma das maiores economias do mundo e estarmos na lanterna de índices de educação e desenvolvimento humano.”

Maria Lúcia está à frente da Auditoria Cidadã da Divida há 15 anos. Participou da CPI da Divida Pública, instalada na Câmara dos Deputados de agosto de 2009 a maio de 2010. Participou na Comissão para Auditoria Integral da Dívida Pública do Equador, realizada em 2007 e 2008, e da Comissão de Auditoria da Dívida da Grécia, neste ano.

Também participaram do seminário os deputados federais Luiza Erundina (PSB) e Ivan Valente (PSOL); a professora e historiadora portuguesa Raquel Varella; o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, Fernando Siqueira; os economistas Plínio de Arruda Sampaio, também diretor do Correio da Cidadania, e o professor-doutor Marco Ferreira; os professores universitários Francisco Inairo Gomes e Antonio Lacerda; Wagner Nabuco, da Revista Caros Amigos; Antônio Martins do site outraspalavras.net e outros especialistas do direito e movimentos sociais.

A dívida em SP

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O evento foi aberto pela coordenadora do núcleo paulista da Auditoria Cidadã da Dívida, a advogada Carmem Cecilia Bressane. Ela abordou o tema a “Corrupção Institucionalizada e o Sistema da Dívida”, que trata da dívida pública de São Paulo, que transferiu para a União as suas dívidas originárias. De acordo com estudos realizados pelo núcleo, de 1998 a 2014, a dívida paulista passou de R$ 46 bilhões para R$ 200 bilhões, mesmo com o pagamento em dia de todas as parcelas. O tema foi aprofundado no dia seguinte, por Marco Antônio Ferreira.

A advogada também criticou o ajuste fiscal do governo que onera o trabalhador com novos tributos, enquanto o sistema da dívida privilegia o setor financeiro com trilhões de reais. “O que nos une é a indignação de ter um país tão rico e com tanta gente vivendo em pobreza e miséria”, destacou.

 

Dívida Pública na Europa

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A advogada foi seguida pela professora e historiadora portuguesa Raquel Varella, que falou da dívida pública européia. Ela retratou um sistema da dívida parecido com o do Brasil, ditado pelos grandes conglomerados financeiros, no qual há uma absoluta dominação do Estado por parte do poder econômico. “Cada vez pagamos mais e cada vez devemos mais”

“A nossa bandeira tem que ser a luta pela transparência nas contas públicas e pelo pleno emprego. A dívida pública deveria ser abraçada por todos os trabalhadores. Temos que transformar a esperança em algo viável e não o desespero em algo convincente”, finalizou.

Petróleo e estratégia

Sobre o petróleo brasileiro falou o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), o engenheiro Fernando Siqueira, ressaltando que o petróleo brasileiro como uma matriz energética de interesse internacional por ser é a fonte mais eficiente de energia – fácil de extrair, transportar e utilizar.

No caso do Brasil, o tema é de suma importância, pois com as recentes descobertas do pré-sal, o país passou da 17ª reserva mundial em petróleo para a 3ª colocação, podendo alcançar a primeira colocação nos próximos anos.

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O palestrante mostrou como a mídia distorce informações a respeito da Petrobrás e sua importância estratégica nacional. Ele salientou que, apesar da corrupção, a empresa tem mais de 60 mil funcionários que não estão incluídos nos esquemas investigados  e trabalham de forma séria e honesta. “Nosso país é o mais rico do mundo e só não se viabilizou ainda por conta da corrupção”, afirmou o presidente.

Corrupção no atacado e no varejo

O professor de Ética e Filosofia da Universidade do Mérito, Francisco Inairo Gomes, falou da queda dos sistemas econômicos vigentes e a necessidade de se propor um novo modelo que supere os entraves atuais, que subjugam o Brasil e o mundo a oligarquias de poder.

Para o professor, a dívida pública é um instrumento de drenagem “criminosa” das riquezas nacionais. “Não sei para quem devo, porque devo ou até quando devo, mas vou continuar a pagar”, ressalta

De acordo com seus estudos, a corrupção existe em diferentes escalas. “Pode ser corrupção por atacado, com R$ 1,4 trilhão sendo desviados para banqueiros; e corrupção no varejo que mexe nos R$ 1,4 trilhão que sobram”.

Na avaliação do professor, essas escalas de corrupção são viabilizadas pelo sistema econômico: emissão bloqueada de moeda no Brasil, enquanto é liberada no exterior; importações e exportações super e subfaturadas; transferências internacionais de capitais líquidos; e juros escorchantes.

Ao final das palestras, na abertura de espaço para falas do público, a servidora do JT Santos e diretora do Sintrajud, Lynira Sardinha, falou sobre a incidência da dívida pública sobre a vida de todos os trabalhadores, mas chamou a atenção especialmente para a luta do servidor do Judiciário Federal. “Os servidores experimentam o que nenhuma categoria experimenta: estamos há nove anos sem reposição salarial e vendo nossos recursos sendo desviados para o pagamento da dívida”, disse.

Na avaliação da diretora, “é de fundamental importância que os trabalhadores se apropriem das informações e levantamentos que são realizados pela Auditoria Cidadã da Divida porque esse assunto impacta significativamente na vida dos trabalhadores e do país”, diz. “Os recursos provenientes do trabalho estão sendo sangrados e desviados para o pagamento de uma dívida que não sabemos para que nem para quem são destinados”, conclui a diretora.

Fotos: Edna Pinson